segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Lembrança de Morrer Álvares de Azevedo


Lembrança de Morrer

Álvares de Azevedo

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poente caminheiro
__ Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh´alma errante,
Onde fogo insensato a consumia;
Só uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos - bem poucos - e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoidecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios em encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida.
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
__ Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d´aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...

Deixai a lua prantear-me a lousa!

Um comentário:

. disse...

Você postou poemas de autores que amo.Lindos....adorei....
bju amore...

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